Entrevista com a Dona Antônia Lopes Oliveira, artesã que reside em
Brasília e é conhecida, consagrada e premiada pelo trabalho utilizando materiais
recicláveis da natureza do cerrado. Esta entrevista foi concedida ao editor, João Carlos Barreto, durante a VII
Semana Indígena, no Memorial Serra da Mesa em Uruaçu (GO), em 14 de abril de
2015.
João Carlos Barreto — Que tipo de artesanato que a senhora faz?
D. Antônia — Faço variedades em fibras vegetais do
cerrado, começando pela figura humana, partindo da imagem do nascimento de
Cristo até a crucificação, também, flores e bichinhos de toda espécie.
JCB — Quando começou a fazer seu artesanato?
D. Antônia — Desde meus oito anos de idade. Iniciei
em Pernambuco (onde nasceu), foram meus brinquedos de infância. Na época tinha
“adotado” duas crianças que foram meus brinquedos, vivos e valiosos.
JCB — Como adotou duas crianças tendo oito anos de
idade?
D. Antônia — É que na minha casa nasciam “dois por
ano”, risos. Fiz essa “adoção” para ajudar a minha mãe. Nós somos 18 irmãos.
JCB — O seu artesanato é consagrado e premiado, pode
nos falar como foi?
D. Antônia — É meio difícil lembrar de todos, mas recordo alguns. Tenho títulos nacionais como Mulher Destaque na Cultura 1994, Artesanato Sustentável 2002, tem vários eventos que fiz em Brasília, inclusive, no ministério da Justiça, Ministério do Meio Ambiente, Conjunto Nacional, Point Brasil, uma infinidade de lugares. Tenho vários certificados, participei de muitos concursos de Presépios, ganhei oito; certa ocasião tirei em primeiro lugar concorrendo com 28 candidatos. Brasília é um lugar muito grande e eu vim da roça, sou de Garanhuns, interior de Pernambuco, terra das flores.
JCB — Vejo que a senhora tem dedicação maior para
ensinar adolescentes, qual o motivo?
D. Antônia —
Para que a cultura não morra. Eu tenho um trabalho diferenciado, não é
melhor do que o dos outros no artesanato, mas é simplesmente diferente.
Diferente e de maneira sustentável em todos os sentidos. Não estou investindo,
não estou tirando nada no comércio para crescer os outros que não tem nada para
me oferecer; tenho experiência porque já trabalhei muito com pelo sintético,
linhas, fibras e tecidos. Usando produtos da natureza você não está tirando do
seu bolso, ela é uma “caderneta de poupança” que o Pai do Céu nos deu
gratuitamente, se você souber respeitar, nunca vai faltar.
JCB — Como os jovens recebem seus ensinamentos?
D. Antônia — Eles recebem bem, são um pouco
agoniados, mas chegam lá. Eu não escolho idade, vão de oito, 80, 90, 100 anos,
o que vier.
JCB — Percebo que a senhora tem a preocupação de
deixar um legado para que as pessoas continuem com seu estilo de artesanato. A
senhora pensa muito no assunto?
D. Antônia — Penso muito, mas a maior força vem da
Universidade da fé. Se você tiver fé, você faz; se você quer você consegue. O
querer é poder. Eu gostaria que a juventude pudesse avaliar o quanto tem de
rica a natureza que Deus criou para nós.
JCB — Como acontecem suas aulas?
D. Antônia — Aqui no evento estou dando uma mini
oficina, minha oficina dura 40 horas. Primeiro tenho que dar a aula de campo,
para que saibam o que podem tirar da natureza e o que deixar. A natureza é viva.
Se você vier para cima de mim com uma faca, vou tomar um susto; a natureza
sente o mesmo impacto. Então, você tem que dobrar o galho ou ramo para só
depois cortar. A mão da gente tem que pegar primeiro para depois cortar.
Enquanto der conta de ir no cerrado vou pegar e dizer: “É esse (galho) que eu
quero”.
Eu só tiro o que é útil, a sobra, a natureza tem o que fazer
dela. Enquanto eu der conta vou indo, atualmente, sigo acompanhada pelos meus
filhos e ensino a todos como tirar os recursos; não só eles, também os alunos.
Às vezes alguém se aproxima de uma flor e diz: “como é bonita!” Eu pergunto o
que vai fazer dela? Aí, não sabe me responder. Contesto: - Deixa aí que ela vai
alimentar as abelhas, quando cair vai alimentar as formigas, vai adubar a
terra, vai dar semente e vai reproduzir. A pessoa desavisada pega e leva para
casa, coloca num jarro e só hoje ela vai estar bonita, depois morre. Na
natureza segue vivendo.
Atrás da gente — sempre conto para meus alunos — seguem
pessoas que vão precisar muito mais da natureza do que estamos precisando
agora. Eu vivo da riqueza do cerrado, não tem riqueza igual. Afirmou.
JCB — O que me diz sobre a devastação da Mata
Atlântica que tem só um pedaço, o Cerrado que junto com a Amazônia são biomas
que estão sendo devastados?
D. Antônia — As pessoas têm que respeitar a natureza.
Que não olhassem apenas para o pequeno, o artesão, que vai tirar com as mãos o
que pode produzir e fazer a alegria dele e de muita gente. Ele faz por prazer,
prazer de estar na natureza. Toda vez quando eu viajo de Alto Paraíso (cidade
Goiana na Chapada dos Veadeiros) para Brasília vejo no caminho três ou quatro
carradas de carvão. De onde vem aquilo? Da natureza. É mais fácil eles me
verem, que tiro com as mãos para fazer o artesanato. Nós somos discriminados,
os artesãos são discriminados. Quando participei do “Escritório Verde” em
Brasília, no Ministério do Meio Ambiente, eu cheguei a ouvir: “É a senhora que
está destruindo a Canela de Ema?”
Uma doutora amiga quis me defender e eu interrompi dizendo:
“eu me defendo”. Vou falar a verdade e “a verdade vos libertará” em todos os
sentidos. Respondi que não estou destruindo, eu quero que você vá onde eu tiro
a Canela de Ema com as mãos que Deus me deu. A planta vai brotar cinco delas depois.
Se corta na faca, levará dois anos para nascer só duas.
Você quer saber quem destrói a natureza? Um ex-governador do
Distrito Federal, fez uma rodovia em Samambaia. Acabei dando curso para uns
jovens em cima da maior riqueza de Canela de Ema que eu juntei depois que as
máquinas arrancaram, trabalhei mais de três anos com elas. Hoje faço assim: “Se
alguém for desmatar, me avisem que eu vou buscar”. Não gosto de desmatamento. Fogo,
então, é um crime grande, já chorei muito vendo o fogo a noite, já está
chegando à época triste. Os rios entupidos de plásticos.
Nós estamos num tempo em que criança não brinca mais, se
compra tudo pronto, brinquedos descartáveis que depois jogam fora e muitas
vezes acabam no rio, descartam na natureza, não dão o menor valor no meio
ambiente. Na maioria das vezes eu recomendo - ainda hoje falei lá no curso:
“Não eduquem seus filhos para serem ricos, mas para serem felizes. Assim
saberão o valor das coisas e não o preço.” Meu trabalho não tem preço, tem
valor, porque fui buscar na natureza que Deus me deu com tanto amor.
JCB — Artesanato é trabalho para idosos?
D. Antônia — Digo as pessoas que conversam comigo que
não deixem pra fazer artesanato na velhice. Artesanato não é coisa de velho
não, enquanto viva, mais eu aprendo. A pessoa tinha que começar a aprender com
oito anos como aconteceu comigo, se bem que para comercializar eu faço de 1985
pra cá.
Eu já subi um pouco o degrau da escada da comercialização,
por necessidade, mas como terapia nem se fala, não tem igual. Você percebeu que
eu não digo quantos anos eu tenho porque o pessoal pode querer olhar os meus
exames e não os meus atos, o que faço. Não me sinto com a idade que tenho. No
momento que a juventude exterior vai morrendo, vai nascendo uma juventude
interior. Eu tenho um mundo tão bonito dentro de mim, uma paz espiritual tão
grande que só conhecemos eu e Deus.
JCB — É esta a força que faz a senhora se deslocar de
Brasília para Uruaçu afim de participar dos eventos, viajar para Chapada dos
Veadeiros e outros lugares distantes com certa frequência?
D. Antônia — Tenho um prazer imenso de fazer isso, ir
a todos os lugares.
JCB — Qual a mensagem que a senhora deixaria para os
jovens, principalmente hoje que estão tão dependentes da tecnologia, dos
celulares?
D. Antônia — Como você falou em celular, eu sei que
esses meios de comunicação são bons, mas eles estragam muito as pessoas; tanto
que chamo de “máquina de fazer doido”. Se a pessoa fica no celular o tempo todo
e se numa sala estiverem 10 ou 12 ligadas nos celulares, não tem mais
comunicação, é isso que passo para os jovens também. Ensino primeiro a rezar,
agradecer ao Pai do Céu e só depois começo o trabalho.
Não se iluda com esse mundo tão cheio do consumismo
desordenado. Ele não tem muitas outras opção para oferecer. Busque nas coisas
que Deus deixou, mergulhe no artesanato das origens, arte popular. Recebi um
livro, eu não sabia que o Ministério do Turismo tinha publicado o material com
cada artesão que foi selecionado em 1985, foram cinco e eu graças a Deus tive a
sorte de estar entre eles. Mostraram o Cristo que fiz citando que eu estava no
Movimento Sem Terra (MST). Estive lá com as famílias e passei todas as técnicas,
também, afim de gerar renda para eles. Saindo de lá decoramos o Salão de
Turismo do Rio de Janeiro, o material depois foi para Pernambuco e Brasília, na
Semana das Águas. Não considero meu trabalho como arte, mas como catequese, eu
ensino o tudo.
No curso começo dizendo que você tem que olhar para si,
olhar para mim, olhar para um lado e o outro. Ao ensinar conto que “existiam
dois guardas: um está de serviço e o outro chega para substituí-lo, eles se
abraçam e trocam o plantão”. Assim eu ensino sobe o abraço, hoje, não existe
condições de abraçar, ninguém quer; é oi quando se diz oi, as vezes você fala e
o outro nem responde. Estamos num mundo carente de amor, amor verdadeiro, Amor
de Deus, amor ao próximo e, principalmente, amor nas coisas que Deus deixou.
JCB — Sobre a crescente degradação ambiental o que podemos
esperar para os próximos anos?
D. Antônia — Muitas vezes eu penso assim: “Esse mundo
vai mudar se botarmos fogo neste povo que não quer fazer nada, principalmente
Governo? Se quiserem me procurar eu digo onde estou. Só se interessam pelo que
botam no bolso.” Eles não olham o pobre, em tempo de política (eleições) somos
bajulados que dá gosto, passou daí acabou.
Eles deveriam cuidar primeiro da natureza; ficam entulhando
lotes um por cima do outro, tirando o pessoal da roça e vindo para cidade,
desmatando. Engana-se quem mora na cidade. O governo tinha que dar cidadania e
não esmola, pois cuidar da natureza vai ser muito difícil.
JCB — Qual a mensagem que a senhora deixa no final da
nossa conversa?
D. Antônia — Que acordem para a vida. Lembrem-se do
que Deus deixou para a gente viver e sobreviver da natureza. Como fazem nossos
irmãos indígenas? Eu tenho um pouco da descendência. Todos fazem a mesma coisa:
zelar da natureza, zelar do rio, tirar o alimento; as pessoas vivem comendo
química vendida nos mercados, tudo é química. Tudo que a gente pega hoje é
doenças, miséria; você já viu a quantidade de doenças que tem no mundo? Isso
vem de onde? Da destruição da natureza. Não temos o ar sadio, não temos água boa
para beber, é suja, poluída. Plástico, uma infelicidade o plástico, tudo jogado
na natureza.
No trabalho que faço não uso nada que a natureza não receba
de volta. Num dos cursos a menina me perguntou: “Esse mundo é de quem? Respondi
que era do Pai do Céu. Vamos pedir para Ele pegar de volta porque nós já não
estamos dando conta?”
Outro dia falei no Ministério do Meio Ambiente, não sou
muito de falar, sou mais de sentir, não tenho o dom da falar, mas o de sentir.
Disse na ocasião que temos de ter zelo, um carinho com a natureza porque ela é
mais mãe do que a mãe que nos gerou. Me perguntaram por quê? Nós estamos vivos
hoje, lindos, cheirosos, maravilhosos, depois morremos e quem nos quer no colo?
Só a natureza quer. E a mensagem é essa: Só o amor constrói. Se começar a amar
e respeitar, vai longe. Respondi.
JCB — Foi gratificante conhecer D. Antônia e o
talentoso trabalho que ela desenvolve.